O Que Me Trouxe Até Aqui
- Liza Silva
- 15 de jan. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 10 de nov. de 2022
O riso, a dor, os erros, a morte, a vida: o que pode nos fazer sair de onde estamos?
Eis que surge Mona...
Sempre de riso fácil, mas de palavras pouco delicadas em momentos inconvenientes. Uma marca registrada por onde eu passava. Essa garota não tem freio na língua não?! Sempre ouvia as pessoas falarem isso de mim.
E, a princípio, eu não sabia se isso era bom ou ruim, mas e daí?! Nunca liguei. Para mim, até que parecia um elogio porque eu logo pensava: Falo mesmo o que me dá na telha. Por aí, acredito, que já dá para perceber o gênio da pessoa, não é?!
Sempre fui muito geniosa mesmo. Falava o que pensava, não pedia desculpas se estivesse errada, não me importava muito como as pessoas receberiam o que eu fazia ou dizia. A minha frase célebre era: Se não gostar de mim, faça meia hora e vá embora. E assim, eu vivi durante anos.
Fiz muitas inimizades, contrariei muito os meus pais, destruí vários relacionamentos, mas sempre me fazia de vítima. Quando não, eu assumia a culpa e fingia que não me importava com as dores que tudo isso deixava em mim.
Foram anos e anos experimentando as dores do meu comportamento, da minha fala, das minhas atitudes desmedidas e egoístas.
Muitos amores se foram e, com eles, a esperança de encontrar alguém que me aceitasse como eu era. Muitas discussões com minha mãe deixaram a consciência pesada. Uma convivência forçada deixou a relação entre meu irmão e eu mais fria do que gelo. Por querer fazer valer minhas ideias, fui demitida do emprego. E, finalmente, por pensar somente em mim, perdi uma grande amiga.
Mas, como tudo na vida vem para nos ensinar algo, eis que o momento derradeiro havia chegado.
Não posso mais conviver comigo!
De todas as dores com as quais eu já estava habituada a viver, a dor do término da amizade foi a pior. Senti-me nas profundezas do ego, como amarrada numa cadeira, isolada no canto de um porão, de onde não era possível ouvirem meu choro.
Lá, fiquei por um bom tempo. Aliás, lá, eu já estava há anos, mas sem consciência. A dor de ter perdido uma amiga me trouxe à consciência e, voltei, pela terceira vez, à maratona de sessão de terapia.
Ali eu chorei, xinguei, berrei, pude dar voz àquele eu amarrado e isolado em mim mesma. Ali, naquela sala, sentada em uma poltrona, com uma luz turva entrando pela cortina em dias de chuva e de sol, e com apenas um par de olhos azuis sobre mim, eu gritei, eu berrei, eu gargalhei, eu chorei, eu amaldiçoei, eu pedi ajuda, eu me dei uns tapas na cara, eu saí e voltei para dentro de mim inúmeras vezes.
Sem julgamento, sem ironias, sem artimanhas. Não dava mais para fingir que não doía, que eu não me importava. Não dava mais para dizer que eu me bastava porque, há anos, eu estava me sufocando, me punindo porque não sabia que tinha o direito de me amar e de me aceitar como eu era.
E, nessa nova maratona, eu consegui me ver. Pela primeira vez, eu me vi. Foi lindo!! Pude ver o quanto algumas amarras me deixaram vergões nos pulsos e tornozelos. O quanto as minhas costas doíam por terem ficado tantos anos na mesma posição. Em meu pescoço, eu sentia vários nós, minha boca estava seca, meus olhos estavam inchados.
Aos poucos, eu fui me aproximando de mim e, cada passo que eu dava na minha direção, uma amarra se soltava, um pouco mais de ar entrava pelos meus pulmões, um pouco mais de luz eu avistava ao longe, mesmo com os olhos ainda vendados.
Foi assim durante muito tempo. Não sei por quanto tempo exatamente. Só sei que durou o tempo suficiente para que eu pudesse chegar até mim de forma acolhedora para, então, me libertar de mim.
Saí da caverna onde vivi por anos!
Nesse processo de libertação, uma outra pessoa se apresentava a mim. Ela tinha muito do que eu sempre tive, mas estava mais atenta e ao mesmo tempo mais calma e, mesmo em momentos de insatisfação, ela não se perdia em si mesma. Eu estava gostando do meu eu, daquele eu que, até então, eu não conhecia muito bem. Eu sentia que estava pronta para sair da caverna.
Mas, para tirar todas as amarras, eu precisava passar por mais uma experiência. Eu precisava viver mais uma dor e, dessa vez, a vida estava me preparando para uma dor violenta que deixa a gente no chão da própria agonia.
Claro, que eu não sabia de nada disso, mas a vida se encarregou de me mostrar como seria.
E, de repente, não mais que de repente, recebo a notícia de que a vida já não fazia mais parte do corpo da minha mãe. E, num hospital cheio de pessoas estranhas à minha dor, eu soube que era o momento de reaprender a viver. Ou eu ficava na caverna ou eu sairia dela para nunca mais voltar.
Foi difícil ter lucidez e ao mesmo tempo compreensão do que tudo aquilo significava, mas...
Havia uma única pessoa que poderia me ajudar: a consciência. Ela que me guiou por muitos caminhos e que sempre tentava se achegar a mim e, eu, sempre a repudiava. Agora ela chegava e eu não tinha escolha a não ser aceitá-la.
E, meio sem saber como aceitar a minha consciência, eu, simplesmente, deixei que ela me abraçasse, me colocasse em seu colo, passasse as mãos pelos meus cabelos, acariciasse meu rosto e cantasse para eu poder pegar no sono.
Foram dias e dias de afagos de consciência. Dias e dias de soluços e gemidos pela partida da minha mãe. Noites de pesadelos em que me corpo sentia cada arrepio do medo por não saber o que fazer.
Eu tentava ouvir, sentir e ver algo diferente de tudo aquilo, mas era difícil. Cada vez que eu tentava sair dali, eu ficava mais perdida. Ah, mas a consciência estava ali e eu corri para ela que me resgatou e em sussurro eu pude ouvir que “Não estamos habituados a viver a morte e isso nos mata dia a dia. Então, viva!”
Eu despertei e vivi tudo aquilo. Aceitei tudo o que a morte veio me ensinar.
Puxei uma cadeira e dei a ela voz. Deixei que ela falasse suas razões, deixei que ela risse de mim, deixei que me deixasse intrigada, mas também deixei que ela ficasse irada por não conseguir me derrubar, deixei que ela se desesperasse por não ter conseguido me deixar no chão. Quando ela encerrou a sua fala, eu me levantei e disse:
Eu vou seguir adiante. Minha consciência, dessa vez, irá comigo e, cada dia que se passar, seremos cada vez mais próximas. Ela é tudo de que eu precisava e não sabia, ela é tudo o que esperava por tantos anos sem me dar conta e, agora, não tem mais volta. Eu saí da caverna.
A consciência e eu nos demos as mãos e partirmos. Enquanto caminhávamos, ela me perguntou:
- Eva, o que fará agora que já sabe tudo isso? Agora que está liberta?
- Vou contar ao mundo como eu consegui. Creio que precisarei da sua ajuda.
- Preciso dizer que estou aqui?
Entramos em casa, ela sentou-se numa poltrona próxima à janela, eu abri meu notebook e comecei a escrever.
Continua...
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